Disponibilização: quarta-feira, 29 de junho de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XV - Edição 3536
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reembolso, por sua vez, deve ocorrer na forma disciplinada no artigo 3º, caput da Lei 14.034/20, ou seja, no prazo de 12 (doze)
meses, contado da data do voo cancelado. Diante do surgimento da pandemia daCOVID-19, houve a necessidade de isolamento
social para evitar a disseminação do novo coronavírus. Verifica-se, assim, a ocorrência de fato superveniente que autoriza a
rescisão do contrato, sem ônus para o consumidor, a teor do disposto no artigo 6º, inciso V do Código de Defesa do Consumidor.
Não bastasse isso, no presente caso, constata-se que não foi o autor que desistiu de realizar a viagem na data contratada;
houve o cancelamento dos voos pela companhia aérea. O autor, portanto, faz jus à restituição do valor pago pelas passagens
aéreas. O reembolso deve ser integral, pois não tem incidência no presente caso o que estabelece o artigo 3º, §3ºda Lei
14.034/20, haja vista que o aludido dispositivo legal é aplicável à hipótese de desistência do voo pelo consumidor, o que não se
verificou. E ainda que não fosse, mesmo em caso de desistência do voo pelo consumidor, é descabida a imposição de qualquer
multa ou penalidade, não obstante a redação do §3ºdo artigo 3º da Lei 14.034/20, por existir fator de risco (grave crise sanitária)
para a realização da viagem. Prevalece o disposto no Código de Defesa do Consumidor, que prevê, no artigo 51, IV, que são
nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam
obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis
com a boa-fé ou a equidade. Ora, impor penalidade ao consumidor importaria em colocá-lo em situação de desvantagem
exagerada, o que não se admite. Restou configurada a impossibilidade de realização daviagempelo consumidor na data
escolhida em razão de motivo a que não deu causa. Não se pode punir o consumidor por situação que não lhe pode ser
imputável, com as mesmas penas que sofreria na hipótese de desistência pura, simples e imotivada, em situação de normalidade.
Nesse sentido: “Ação indenizatória por danos materiais e morais Transporte aéreo internacional Cancelamento de voo Sentença
de parcial procedência. Legitimidade passiva ad causam da corré Decolar.com Aquisição de passagem aérea por empresa que
atua em parceria comercial com a companhia aérea Cadeia de consumo evidenciada Responsabilidade da agência de turismo
corré responder por danos causados aos passageiros Inteligência dos artigos 7º, § único, 14, 25, §1º e 34, todos do CDC
Legitimidade passiva da corré evidenciada Preliminar rejeitada Recurso negado. Ação indenizatória por danos materiais e
morais Transporte aéreo internacional Cancelamento de passagem em virtude da pandemia Covid-19 Sentença de parcial
procedência Condenação das corrés, solidariamente, a restituir o valor desembolsado pela autora com a compra da passagem
Possibilidade Reembolso que, no entanto, deve efetivar-se em 12 prestações, a partir da data do cancelamento do voo (art. 3º
da Lei 14.034/2020) Recurso provido em parte. Recurso provido em parte” (TJSP; Apelação Cível 1039661-65.2020.8.26.0002;
Relator (a):Francisco Giaquinto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro -13ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 26/05/2021; Data de Registro: 26/05/2021; grifei). Ainda sobre o tema: “CANCELAMENTO DE PASSAGEM
ÁREA REQUERIDO PELO CONSUMIDOR, POR CONTA DA PANDEMIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA DECOLAR.COM.
RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODA A CADEIA DE FORNECEDORES. REEMBOLSO DO VALOR
DAS PASSAGENS DEVIDO, COM OBSERVÂNCIA DO ART. 3º, CAPUT, DA LEI Nº 14.034/20, SEM INCIDÊNCIA DE MULTA OU
PENALIDADE. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO” (TJSP;Recurso Inominado Cível
0008063-34.2020.8.26.0577; Relator (a):Eduardo de França Helene; Órgão Julgador: 1º Turma Cível; Foro de São José dos
Campos -1ª Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 16/04/2021; Data de Registro: 16/04/2021; grifei). Igualmente:
“CONSUMIDOR CANCELAMENTO DE VIAGEM INTERNACIONAL RESTRIÇÃO DE INGRESSO EM PAÍS ESTRANGEIRO POR
FORÇA DA PANDEMIA DO COVID-19 - AQUISIÇÃO DE PACOTE TURÍSTICO EM SITE DE INTERMEDIAÇÃO DE VENDAS
QUALIFICAÇÃO DA RECORRENTE COMO AGÊNCIA DE VIAGEM NOS TERMOS DO ARTIGO 27 DA LEI 11.771/2008
CONTRATO ESTABELECIDO COM A PRÓPRIA RECORRENTE COM VINCULAÇÃO DE SERVIÇOS DE TERCEIROS PARA
HOSPEDAGEM E TRANSPORTE - OBRIGAÇÃO DA PRÓPRIA RECORRENTE, PORQUANTO CONTRATANTE QUE RECEBEU
OS VALORES, NO QUE DIZ RESPEITO À RESTITUIÇÃO DO PREÇO DO SERVIÇO QUE NÃO FOI PRESTADO PARTE
LEGÍTIMA OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE DOZE MESES PARA DEVOLUÇÃO NOS TERMOS DAS LEIS Nº 14034/2020 E
14.046/2020 - Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos, com fixação de verba honorária” (TJSP;Recurso Inominado
Cível 1009644-19.2020.8.26.0011; Relator (a):Paulo Henrique Ribeiro Garcia; Órgão Julgador: 2ª Turma Recursal Cível; Foro
Regional XI - Pinheiros -1ª Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 25/05/2021; Data de Registro: 25/05/2021;
grifei). O risco da atividade empresarial não pode ser transferido o consumidor, que em nada contribuiu para o cancelamento
dos voos. Como o serviço não foi prestado nos termos contratados, o autor faz jus ao reembolso integral do valor pago pelas
passagens aéreas, que não pode ser por ele utilizadas. Se não houvesse a devolução integral do valor pago pelo autor ocorreria
enriquecimento sem causa da ré, o que é vedado pelo ordenamento jurídico (CC, art. 884). Não se vislumbra, contudo, dano
moral, na medida em que “o simples descumprimento do dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em
princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atinja a dignidade da parte” (Enunciado 25 do
Colégio Recursal de São José dos Campos), o que não ocorreu no caso em tela. A situação vivida pelo autor não extrapolou o
limite dos aborrecimentos a que todos nós estamos diariamente sujeitos. Ele experimentou dissabor, é verdade, mas que não se
erige em dano moral, passível de indenização. Não foi o autor surpreendido com a notícia do cancelamento do voo quando
estava no aeroporto ou durante a viagem. Ele soube com antecedência. Não restou configurada, portanto, situação hábil a
configurar dano moral. Houve mero transtorno típico do cotidiano moderno. Nesse sentido: Transporte aéreo - Cancelamento de
voo durante pandemia por Covid-19 comunicado com antecedência - Necessidade de ressarcimento adequado às regras da Lei
14.034/20 - Dano moral não caracterizado - Recurso provido parcialmente (TJSP;Recurso Inominado Cível 100287147.2021.8.26.0358; Relator (a):Luiz Fernando Cardoso Dal Poz; Órgão Julgador: 1ª Turma Cível; Foro de Mirassol -Juizado
Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 30/03/2022; Data de Registro: 30/03/2022; grifei). As sensações desagradáveis
que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não devem ser indenizadas. Existepisodeinconvenientesque
o ser humano tem de tolerar sem que exista o autêntico dano moral” (TJSP - Ap. c/ Rev. 934.359-0/3 26a Câmara - Relator
Desembargador Felipe Ferreira).Não se pode elevar à categoria de dano moral todos os transtornos que sofre o homem no dia
a dia, o que inviabilizaria a vida em sociedade. Como já decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “RECURSO
INOMINADO CANCELAMENTO DE PASSAGEM AÉREA A PEDIDO DA CONSUMIDORA DEVOLUÇÃO A MENOR DANO MORAL
NÃO CONFIGURAÇÃO. O cancelamento de passagem aérea requerido pela consumidora dá a ela o direito à devolução integral
do valor pago. A devolução a menor, que resultou no ajuizamento da ação de reparação de danos, não resulta em automático
direito de indenização por danos morais. A devolução do valor a menor não acarreta abalo nos direitos da personalidade da
consumidora, e a honra não é tão banal a ponto de ser violada por simples desacerto comercial. Banalização do dano moral que
acarreta multiplicação de demandas e incentiva o demandismo, que deve ser freado pelo Poder Judiciário. Recurso conhecido e
não provido” (TJSP;Recurso Inominado Cível 1001651-12.2018.8.26.0037; Relator (a):Luiz Fernando Silva Oliveira; Órgão
Julgador: 4ª Turma Cível; Foro de Araraquara -Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 13/05/2019; Data de
Registro: 13/05/2019; grifei). Como ensina Maria Celina Bodin de Moraes, “Não será toda e qualquer situação de sofrimento,
tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a
dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais seja, a igualdade, a integridade psicofísica, a
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º